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sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Música em números e a harmonia na Matemática

Retirado de: http://www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm34/index.html

Um esboço histórico...

Pitágoras acreditava que os números que medem as distâncias de cada um dos planetas à terra, ordenam-se de modo a corresponderem aos números característicos dos acordes musicais. Deste modo, no movimento das esferas celestes exista uma música que os sentidos não apreendem, mas que, no silêncio das noites estreladas das costas de Itália, fazia vibrar harmoniosamente a alma do matemático e do místico que era Pitágoras.

A filosofia clássica defendia assim três tipos de música, a qual foi classificada em terminologia boeciana em música instrumentalis (produzida pela lira, flauta, etc.), a música humana (inaudível, mas produzida no homem pela interacção entre o corpo e a alma) e a música mundana (produzida pelo próprio cosmos e mais conhecida pela música do universo).

Pitágoras estabeleceu então a 1ª teoria matemática da música, ao estudar as relações dos comprimentos das cordas da lira e descobrindo que a frequência de uma corda vibrando é proporcional ao seu comprimento.

Devem-se-lhe também, descobertas consideradas cientificas neste campo. Conhecia por exemplo a seguinte propriedade das cordas vibrantes: se se dividir uma corda ao meio, o som que ela produz está em uníssono com o som produzido pela corda inteira. Desta forma, o intervalo entre estes dois sons, a chamada oitava na terminologia dos músicos, está associada à fracção1/2. Reparou também que eram particularmente agradáveis as combinações de sons, ligadas a outras fracções simples: o que acontecia quando se encurtava a corda para 2/3, o som produzido forma um intervalo duma quinta em relação ao som original, e quando se encurta para 3/4, um intervalo duma quarta.

Desta forma se compreende como para Pitágoras, a música (harmoniosa) evidenciava uma correspondência directa com a aritmética das fracções. Repare-se que o facto de se obter a oitava ao fazer a soma dos intervalos duma quarta e duma quinta, é resultante da seguinte relação aritmética: o produto de 2/3 (fracção associada à quinta) por 3/4 (fracção associada à quarta) dá a fracção 1/2 associada à oitava.

Na música ocidental o tom é considerado o átomo musical e obtém-se fazendo a diferença entre uma quinta e uma quarta. É produzido numa corda generalizando, desta vez, a subtracção de intervalos e a divisão das fracções, em vez de as multiplicar. O tom pitagórico estava então associado à fracção 8/9=(2/3):(3/4), ou seja, o intervalo de um tom, obtém-se encurtando a corda a 8/9.

Utilizando o nome das notas hoje conhecidas de todos, dó, ré, mi, fá, sol, lá, si, dó, e uma vez que cada nota corresponde a um comprimento de corda, constrói-se então a gama pitagórica:

misolsi
19/881/644/33/227/16243/1282

Assim para se obter o ré, separado da nota fundamental dó por um tom, é necessário tomar a corda com 8/9 do comprimento, para ter mi a de 64/81 uma vez que 64/81=(8/9)*(8/9).

Para definir o fá e o sol, são usados intervalos de base que são a quarta e a quinta, a partir do sol, de novo se acrescenta um tom para obter o lá, e ainda um tom para o si, daí a fracção associada ao si 128/243=(2/3)*(8/9)*(8/9).

Note-se que os intervalos entre as notas mi e fá, por um lado, si e dó da oitava superior por outro, aparecem como restos; na gama pitagórica, não são iguais, verificando-se estarem próximos do meio tom.

A primeira transformação da gama pitagórica foi feita por Dydimos, em 63 a.C., utilizando fracções diferentes das anteriores, mas bastante próximas, que tiveram uma certa aceitação por serem mais simples:

misolsi
19/85/44/33/25/315/82

Era a chamada gama diatónica.

Para a transformação seguinte, foi preciso esperar muito tempo. O problema foi tratado de maneira mais sistemática e foram necessários os progressos tecnológicos e conceptuais. Aparecia então a gama temperada.

misolsi
12

Uma vez que a música ocidental se tinha desenvolvido fazendo aparecer doze divisões da oitava, a ideia era repartir igualmente doze meios tons de uma oitava. Para o conseguir, usando de maneira geral a correspondência anteriormente descrita, era necessário associar a um intervalo que, somado doze vezes desse a oitava, um número cujo produto doze vezes por ele mesmo fosse a fracção 1/2, este número é precisamente a raiz duodécima de 2.

Este procedimento pressupõe processos matemáticos bastante importantes no domínio do cálculo algébrico, que só foi possível por volta de 1600.

No meio desta evolução está presente uma pequena ironia da História, a gama temperada baseia-se no n.º irracional, raiz duodécima de 2, que para os pitagóricos era pura heresia.


E um bônus acrescentado por mim...

A escala de dó maior é composta por sete notas, é o famoso dó-ré-mi-fá-sol-lá-si-dó (claro, finalizando com a oitava) porém nossa escala cromática possui doze notas, as 5 notas que completam são os chamados acidentes (os bemols e sustenidos), famosas teclas pretas de um piano. Completando a tabela de valores, temos todas as raizes duodecimas de potencias de dois com expoente de 0 a 11.

O interessante é que algumas relações podem ser tiradas das tabelas...

Como dito, o quarto e o quinto tom correspondem a frações matemáticas mais simples (tomando a tônica como unidade) e são também os acordes, junto com o 1º grau, que formam a base de uma linha harmônica de blues!

De acordo com os modos gregorianos (analizando a primeira tabela portanto), no modo jônio, de dó maior, fá é chamada "nota evitada" (principalmente para improvisações) e é justamente a única dizima!

Analizando a última tabela, percebe-se que as notas correspondentes a expoentes não primos com 12, ré, mi e la e são justamente as tônicas dos acordes menores no campo harmônico de dó maior!

Enfim, muitas coisas de harmonia são explicadas a partir desses valores... Fica como dica entender por que os acordes são mais bonitos que uma sequência aleatória de 4 notas...